Fome


Oi vocês,

  Hoje, atendendo pedidos temos mais um texto do Lucas De Vivo. Eu gosto muito desse conto e acho que serve como reflexão para nossas atitudes diárias

   "Estava eu indo como sempre para o trabalho, quando me deparo com um garoto de rua, devia ter algo em torno de 15 ou 17 anos, ele segurava um pacote de biscoitos em uma mão e apoiava a outra no colo, olhando fixamente para baixo.
   Algo naquele garoto me atraiu, fui até ele e me sentei ao seu lado, perguntei a razão pela qual ele estava ali, quieto, sem comer os biscoitos e daquele jeito, tão cabisbaixo. Ele começou a responder, e aqui está o relato do garoto, com pequenas mudanças para facilitar a compreensão:
  “Eu sou pobre, moço, eu sei disso, todo mundo diz, já disseram tanto que finalmente me fizeram ter certeza. Eu não acredito que isso possa mudar um dia, nunca vou acreditar, me fizeram parar de acreditar.

   Eu queria poder olhar para frente e pensar que tudo vai acontecer, mas não vai. Tenho fome, e ela não passa.”
   Neste ponto, perguntei ao garoto, já que ele tinha fome, por que razão não comia os biscoitos que estavam no pacote em sua mão, ainda lacrado.
   "Não quero biscoitos moço, não quero comer, quero viver, se entro no mercado em um dia de chuva, e roubo esse pacote, não é só nos biscoitos que eu penso, eu quero ficar coberto, sair do frio molhado da chuva, eu tenho fome de teto. Quando eu olho para o alto e vejo prédios, eu quero entrar, eu quero sentir o calor de uma casa, eu tenho fome de morar.  Quando a minha mãe me põe pra fora da cabana onde a gente mora para conseguir alguma coisa, eu tenho fome, eu tenho fome de...como chamam mesmo aquelas coisas que a gente vê nos filmes? Que tem as pessoas juntas e elas vivem na mesma casa?"
   Família, respondi, muito emocionado, pensando que havia acabado de sair de uma cafeteria, pois antes de sair para o trabalho "bateu uma fominha", e percebendo que aquela média e aquele pão na chapa não eram nada, derrubei algumas lágrimas, e o garoto continuou:
   “Isso, família, eu tenho fome de família, acho que mais do que de qualquer coisa, eu comeria tudo isso que eu falei, até a última garfada, se eu tivesse. Mas eu passo fome, e essas pessoas que andam por aqui me entregam alguns trocados, achando que é isso que eu preciso, que é isso que eu quero e que isso vai mudar tudo, e isso não vai. Esse é o problema, elas só acham, ninguém passa a minha fome para saber que algumas moedas não vão me ajudar. Eu costumo jogar todas as moedas  na fonte aqui atrás, pedindo para que algo apareça e suma com a fome.”
   Olhei para trás, estávamos sentados na borda de uma fonte, e abaixo do nível da água vi muitas moedas, por um instante parei para pensar em cada coisa, cada desejo que cada moeda significava, qual a fome que cada ponto brilhante daqueles tinha o objetivo de sanar.
   “Minha mãe acha bobeira, sabe. Acha que eu devia levar o dinheiro para casa, comprar comida, fazer alguma coisa. Me dá umas coisas pra eu ir lá pra rua, fazer dinheiro. Dinheiro, como eu odeio essa palavra, é incrível como as pessoas acham que isso pode resolver tudo, que isso é o que todos precisam. Para mim é só papel.”
   Já muito emocionado, esqueci que ia trabalhar e fixei meus olhos na mão suja do garoto, que agora segurava uma nota de dois reais, ele a amassava com força.
   “Viu, amassa, como qualquer outra folha, como qualquer uma dessas que jogam por aí. É isso que mata a fome de vocês de roupa preta, moço?”
   Desabei-me em lágrimas, minha mente retornou para minha casa, aonde minha mulher e minha filha deveriam estar assistindo televisão, sentadas naquele sofá caro, naquele apartamento que havia me custado os olhos da cara. Parei para pensar no quanto odiava meu trabalho, e só andava até lá todos os dias para garantir que minha família tivesse tudo isso, sendo que poderia viver muito bem com um salário mais baixo, talvez em outro emprego, e respondi ao garoto:
  “Não mata a fome, pois nós, homens de roupa preta, não temos fome, não temos nada, talvez não tenhamos nem a nós mesmos, não queremos assumir que não nos conhecemos e que nenhum pedaço de papel nos faz felizes. A fome que a gente tem é de querer sempre mais e mais pedaços de papel, a fome que a gente tem é besta, desnecessária, a gente só quer dinheiro, cada vez mais, e esses pedaços de papel acabam dominando a gente, sabe.”
   O garoto me olhou sem nenhuma expressão no olhar, enquanto eu chorava desesperadamente, querendo que a vida me explicasse a razão de eu ter vivido todos esses meus 39 anos.
   “Entendi, então você gosta disso? Pode pegar, moço. Vou ali atrás daquele homem com a caixa marrom que faz música, estou com fome de barulho bonito.”
   Dizendo isso, ele me entregou a nota de dois reais, e eu fiquei ali, chorando, sentado, em uma mão a nota, que agora não passava de um pedaço de papel, e na outra, todas as minhas fomes que começavam a aparecer." 

Por: Lucas De Vivo


E ai gostou do conto? Quer ver seu texto aqui? Mande um e-mail para: contato@entrechocolatesemusicas.com.


Beijinhos,



39 comentários

  1. Que conto lindo :') me emocionei.
    Verdade né, a gente vê essas pessoas na rua e acha que dando um trocado tudo vai ficar bem, nao q vá ficar bem mas vai ajudar em algo como comprarem um lanche, matar a fome naquele momento mas na realidade é exatamente aquilo que o menino do conto disse, a fome dele não é de comida e sim de amor, familia. Tocou meu coração nessa parte, sério msm.
    Lucas está de parabéns pelo lindo conto.

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  2. Gente, sem palavras!!! Especial demais para ficar só pra mim, vou divulgar, obrigada amore!!

    Tem sorteio em meu blog, passa lá!

    Bjus sua linda!

    Aline Laitarte - www.bomboneca.blogspot.com

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  3. Caramba, que lindas palavras! Sensibilidade e emoção transbordando através de palavras. Quantos de nós têm fomes que não podem ser saciadas com pedaços de papel. Parabéns ao Lucas pelo texto.
    Beijinhos!
    Giulia - www.prazermechamolivo.com

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  4. E aí, cá estou eu... Mãe de um ser humano tão especial! Tenho muito orgulho por ter passado princípios para o Lucas.
    Sinceramente, não sei se consegui "matar todas as fones" dele... Mas lendo esse texto, vejo q, em algum momento, eu acertei!
    Criei uma pessoa sensível, justa e responsável!
    E q isso sirva para q matemos todas as nossas fones enquanto é tempo! Sem vergonha, sem meias palavras...
    Simplesmente, viver!!!!!

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  5. Olá!

    Já tinha lido um conto parecido... é realmente emocionante! São em momentos assim em que pensamos o quão relevante é o dinheiro em nossas vidas...

    resenhaeoutrascoisas.blogspot.com

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  6. Nossa muito lindo esse texto, vou passar para frente!
    Beijos Jéssica R. Coelho

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  7. nossa, eu adorei, texto maravilhoso!
    bom final de semana

    www.tofucolorido.blogspot.com
    www.facebook.com/blogtofucolorido

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  8. Palmas é pouco, merece Tocantins e todos os outros estados xD Parabéns Lucas pelo texto

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  9. Uau!!
    www.estantedorefugio.blogspot.com

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  10. Lembro quando o Lucas leu esse texto na faculdade. Acho que nunca vou deixar de me emocionar todas as vezes que eu ler.
    A gente olha pra cara de nerd dele e nem imagina o quanto sensível ele pode ser. Mas ele é.
    Penso que ele deveria com toda a certeza continuar a escrever textos assim sempre.
    Sinto até uma pontinha de orgulho de ter esse cara ai como amigo.. haha

    Parabéns Lucas!

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  11. Oie Ani =)

    Estou sem palavras para descrever o quanto achei esse texto lindo!
    O Lucas está de parabéns! Lindo, delicado e emocionante *-*
    Adorei!

    Beijos e um ótimo final de semana;***

    Ane Reis.
    mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
    @mydearlibrary


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  12. Adoro ler contos, ainda mais esses que nos tocam profundamente! Muito inspirador...

    Beijão,
    Boneca de Pano Rosa

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  13. Oi Ani.
    Nossa, esse conto é comovente, emocionante e realista, não tem o que comentar, as palavras fugiram.
    Parabéns Davi, quanto talento.

    Beijos.
    Leituras da Paty

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  14. Nossa Lucas... meus parabéns ! Texto lindo demais. Uma pena que muitos não lerão até o final... mas digo: Vale a pena !

    Bjo !

    | O Blog Que Não é Blog |

    | Sorteios Na Web |

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  15. Nossa, Lucas, que lindo o seu texto!! Parabéns mesmo!!

    Realmente muito sensível, fiquei até engasgada aqui, o menino nem saber usar o termo família, e ainda dar dinheiro pro cara... um tapa na cara muito necessário. Dinheiro é mesmo algo que escraviza algumas pessoas, que param de dar importância o que deveria importar de verdade.

    Beijo!

    Ju
    Entre Palcos e Livros

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  16. caraaaaaaaaaambaaaa :"""))))) Meu Deus, meu Deus, que perfeiçãaao :""))) chorei do inicio ao fim vlh ahuhauha
    to apaixonada por esse texto *----* Me fez refletir sobre muitas coisas e sobre muitas das minhas atitudes :"")) poxa, amei!

    Faz mais posts desse parceira. *---------*

    Beijorejas :**

    Blog: http://cerejamutanteblog.blogspot.com.br/

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  17. Ele escreve muito bem. Amei o texto! Profundo...
    Beijos | www.doseujeito.tk

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  18. Amei esse conto, muito bem escrito e história bem construída, parabéns ao escritor! =)

    http://pactoliterario.blogspot.com.br/

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  19. É bem isso mesmo, um trocado não irá ajudar muito ... talvez precisamos pensar mais sobre isso, refletir, assim para tentar ajudar como o menino disse, com amor, família...

    David - Leitor Compulsivo

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  20. Nossa que lindo... E faz a gente pensar hein, faz a gente pensar e muito.

    Beijos
    http://www.garotaeseuslivros.com/
    https://www.youtube.com/user/anacrisinah <3

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  21. Nossa... Eu estou chorando, tipo... Muito. Então, não faço ideia do que vai sair, mas, vamos lá...
    Quero, primeiramente, parabenizar o Lucas, pelas palavras e pela história devastadora. Sinto-me assim agora, devastada. E ao mesmo tempo muito pensativa.. Fico me perguntando do que exatamente eu tenho fome. Eu costumava ter fome de saúde... E agora, que já me sinto melhor, tenho fome de reconhecimento. E sei lá, não sei bem quão bobas minhas fomes são perto das desse garoto.
    E ok, acho que não estou conseguindo me fazer entender.. Sou uma manteiga derretida e estou chorando ainda...

    Thati;
    http://nemteconto.org

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  22. Muito bom esse texto. Adorei!

    M&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista de setembro

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  23. Gente que conto é esse? Fiquei com um nó na garganta agora. Parabéns ao Lucas.

    Blog Prefácio

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  24. Nossa, me arrepiei... as vezes não damos valor a vida que temos,me uma simples criança de rua enxerga que a vida não é dinheiro, a vida é nossa familia, quem amamos, os momentos que passamos e os sentimentos que temos, verso triste, lindo e real! ameeeeeei!!!!

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  25. Suuuper conto, adorei, é ótimo! Faz a gente pensar muito mesmo!
    beijos

    www.izabellagrimaldi.com

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  26. Que texto lindooo, mega emocionante, sem palavras! Quero mais contos assimmm!
    Beijos.
    Dos Vinte Adiante / Fanpage / Instablog

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  27. Realmente não damos valor a que temos. Isso ensina valorizar nossa casa quentinha, nossos almoços de domingo com frango assado em família.
    Blog Quem Disse?

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  28. Oi, Ani!

    Que conto lindo, moça! Fiquei até arrepiado ao terminar a leitura (sem contar nas lágrimas que começaram a brotar em meus olhos). Muito bem escrito e causando uma mega reflexão no leitor... simplesmente adorei!

    Até logo,
    Sérgio H.

    www.decaranasletras.blogspot.com

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  29. Uaaau, que belo conto! Esse foi bem profundo, transbordando emoções. Adoro ler contos que me inspiram e me deixam emocionado... adorei! ^^

    Até mais!
    Math // de-livro-em-livro.blogspot.com

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  30. Uau, que conto massa. Curti toda a reflexão que ele propõe. Verdade né, dinheiro é só um pedaço de papel e a gente morre de fome por este papel. Achei o personagem bem construído no curto espaço do conto e gostei da narrativa. Espero ler outras coisas do Lucas.

    Abraço!
    www.umomt.com

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  31. Que texto tocante. É muito triste a realidade de um morador de rua. Realmente parando pra pensar, uns trocados não vão mudar em nada a realidade dessas pessoas. Só vão fazer com que elas fiquem mais revoltadas e se sintam humilhadas. O escritor soube captar os pensamentos de uma pessoa que vive essa realidade.
    Beijinhos!
    http://eraumavezolivro.blogspot.com.br/

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  32. Olá!
    Uau, que conto lindo!
    Realmente, há muita fome que não é saciada por um pedaço de pão ou um prato de comida, né?! No momento sinto fome de uma política limpa, de amor ao próximo, de respeito aos animais...

    Parabéns pela postagem!

    Beijos,
    Amanda
    http://minhasconfissoesfemininas.blogspot.com.br/

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  33. Maravilhosos conto, ele retrata toda a realidade. Como morro no interior, é meio difícil ver cenas assim, de pessoas morando na rua, mas sempre que vou para algumas cidades maiores, vejo cenas assim quase em toda a rua, e me dá um nó no coração saber que eu não posso fazer nada que REALMENTE mude a vida dessa pessoa, queria que os políticos, as únicas pessoas que realmente podem mudar isso, fizessem alguma coisa, porque é desumano pessoas morarem na rua.

    Bjos

    http://emmeumundodiferente.blogspot.com.br/

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  34. Que maneira diferente de enxergar as coisas, achei o texto muito bom e "tocante", sabe? Bem envolvente.


    Beijos
    Brilho de Aluguel

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  35. Que texto maravilhoso! Realmente, são tantas fomes, muitas nem nos damos conta!
    Beijos!

    Sociedade do Esmalte

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  36. Ani que conto lindo e sensível, muito ainda dão valor a isso, ao papel , a uma linda mobília e uma bela casa , mais esquecem a base de tudo família união isso nos fortalece . Isso que completa nossa vida momentos e pessoas que nos amam. beijos lindona parabéns ao autor

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  37. Ani parabéns pela escolha, o conto é lindo é bem reflexivo. Parabéns ao Lucas também, que conseguiu colocar tanta emoção nas palavras. O que ele disse é a mais pura verdade. Dinheiro é um pedaço de papel e nós não deveríamos ter fome disso. Você já comeu papel? Não tem gosto algum, não há prazer nisso. Mas os momentos que realmente significa algo como o estar em família, com os amigos, ou coisas simples como escutar sua musica favorita.. A gente deixa tudo isso de lado para poder 'saborear' um pedaço de papel.
    Tah, já falei demais rs

    Beeijos, Dreeh.
    Blog Mais que Livros

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  38. Nossa, que conto emocionante!
    Parabéns ao Lucas, que conseguiu expressar e mostrar coisas que no dia -a-dia não nos damos conta. Para a maioria de nós o que precisamos é de dinheiro, mas ninguém vê que isso o do que menos precisamos.
    Parabéns de novo!
    Beijos
    http://www.sacudindoaspalavras.com.br/

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